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Alegria, saúde e longevidade. Por que os amigos são tão importantes
Reportagem Especial

Alegria, saúde e longevidade. Por que os amigos são tão importantes

Cultivar as amizades está para além de viver momentos de prazer e troca. É também prolongar nossa vida, melhorar nossos mecanismos cognitivos e a nossa saúde física e mental. Confira nesta reportagem

Alegria, saúde e longevidade. Por que os amigos são tão importantes

Cultivar as amizades está para além de viver momentos de prazer e troca. É também prolongar nossa vida, melhorar nossos mecanismos cognitivos e a nossa saúde física e mental. Confira nesta reportagem
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Qual o significado de uma amizade? Quanto essa relação te faz bem? Independentemente das inúmeras possibilidades de resposta, o fato é: manter essas relações presentes em nossa vida proporciona uma série de benefícios para a nossa saúde física e mental.

A palavra “amizade” deriva do latim amicus (amigo), que possivelmente se derivou de amore (amar). Em sentido amplo, é uma relação afetiva entre duas pessoas que envolve o conhecimento mútuo e a afeição, além de lealdade ao ponto do altruísmo.

Na literatura científica, ela é reconhecida como uma importante fonte de felicidade e de bem-estar, uma vez que concede suporte social, o compartilhamento de experiências, de interesses, de sentimentos e de emoções. Para Carl Rogers, a amizade “é a aceitação de cada um como realmente ele é”.

A amizade é uma relação que traz diversos benefícios para nossa saúde(Foto: Divulgação / Shutterstock)
Foto: Divulgação / Shutterstock A amizade é uma relação que traz diversos benefícios para nossa saúde

A discussão acerca dos benefícios dessa relação é realizada por cientistas e pesquisadores há décadas. Um desses estudos é o de Harvard Study of Adult Development, desenvolvido pela centenária instituição de Massachusets, que acompanhou a vida de centenas de pessoas ao longo de mais de 80 anos.

Os cientistas queriam entender como os relacionamentos interpessoais, independentemente da idade, são fundamentais para o bem-estar e a longevidade. Foi revelado que quem mantinha conexões sociais fortes e significativas viviam mais, além de ter uma melhor saúde física e mental.

Foi detalhado que os relacionamentos próximos, mais do que dinheiro ou fama, era o que mantinha a felicidade das pessoas ao longo de suas vidas. Esses laços protegiam as pessoas dos descontentamentos, ajudavam a retardar o declínio mental e físico, além de contribuir para uma vida mais longa.

A pesquisa é uma das mais longas sobre comportamento humano(Foto: The Harvard Gazette )
Foto: The Harvard Gazette A pesquisa é uma das mais longas sobre comportamento humano

O diretor do estudo, Robert Waldinger, que também é professor e psiquiatra, afirmou em uma palestra: “Bons relacionamentos não protegem apenas nossos corpos; eles protegem nossos cérebros”.

A psicóloga clínica, Janara Pinheiro, explica que a amizade é um espaço potencial da construção de si e do outro, que leva ao respeito, a tolerância, e a renúncias, além de remeter as noções de intimidade e da capacidade de estar só.

“Você precisa ter prazer na própria companhia e reconhecer o outro como diferença. É um espaço de muita criatividade e potência, que exige um esforço psíquico para conviver melhor com o outro, não ficando preso no individualismo”, diz.

Janara Pinheiro é psicóloga clínica(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Janara Pinheiro é psicóloga clínica

Para a especialista, a amizade é uma oportunidade de conhecer a si e ao próximo, por isso ela remete a noção de liberdade, reciprocidade, intimidade e a renúncias narcísicas em prol da convivência com outro, resultando na edificação da nossa sociedade.

“Ter uma amizade é importante para a nossa saúde mental, elas nos ajudam aprender a lidar com as emoções, como a raiva e a tristeza, e as frustrações do cotidiano nas diferentes fases da vida. Os sentidos da amizade são construídos e transformados dependendo da cultura e da época histórica”, afirma.

Ela ressalta que essa relação desempenha um papel fundamental em vários momentos do processo de amadurecimento, e que esse laço é construído e reconstruído, não sendo algo rígido, e sim sobre identificações, permitindo novos laços em nossa vida.

Elas são como fonte de alegria, de sofrimento e de prazer, com uma capacidade associada a espontaneidade e a criatividade. Além disso, dependendo de diversos fatores, como perdas, o indivíduo consegue se reorganizar psiquicamente, desenvolvendo novos vínculos.

“As pessoas incapazes de ter amigos são indivíduos empobrecidos, não vivem de uma maneira autêntica. Às vezes até vive, mas de uma maneira falseada, que não tem conhecimento de si e vive suas relações de uma forma adaptativa e rígida sem se autoconhecer e afetando sua saúde mental”, clarifica.

 

 

As vovós da razão

Sonia Bonetti, Gilda Bandeira de Mello e Helena Wiechmann, todas naturais de São Paulo, mantinham uma amizade de décadas, sempre se reunindo em botecos para colocar a conversa em dia. Foi entre risadas e bons assuntos que Cássia Camargo, ex-nora de Helena, viu o potencial de transformar aqueles momentos em vídeos para a internet.

Em 2018, nascia “Avós da razão”, um canal no YouTube que reunia as três amigas para responderem perguntas e dar conselhos e opiniões sobre os mais diversos assuntos, sem nenhum tabu e com muito bom humor. O sucesso foi tão grande que hoje são 100 mil inscritos no portal.

Helena Wiechmann, Sonia Bonetti e Gilda Bandeira, juntas formaram o trio das Avós da Razão (Foto: Divulgação  )
Foto: Divulgação Helena Wiechmann, Sonia Bonetti e Gilda Bandeira, juntas formaram o trio das Avós da Razão

No Instagram não é diferente, são quase 440 mil seguidores de diferentes gerações, que vê nas vovós bons laços mantidos com o tempo. As três foram consideradas webcelebridades, marcando presença em diversas entrevistas e até com livro lançado, intitulado Avós da Razão: Quebrando a cristaleira!.

“Nós nos conhecemos quando éramos muito jovens, há mais de 65 anos, éramos recém-casadas. Sempre mantivemos essa amizade, mesmo após morarmos distante uma da outra. E amizade verdadeira é assim, você continua podendo cultivar”, enxerga Sonia Bonetti.

Com 86 anos de caminhada, ela afirma que elas nunca deixaram de manter as afinidades individuais. “É isso que aproxima uma pessoa da outra: é ter a mesma perspectiva de vida, a mesma ética e o mesmo entendimento do mundo”, diz.

Capa do livro Avós da Razão: Quebrando a cristaleira!(Foto: Divulgação )
Foto: Divulgação Capa do livro Avós da Razão: Quebrando a cristaleira!

Segundo a psicóloga Janara Pinheiro, amizade de longa data têm impactos diferentes à nossa saúde mental, porque apesar da pessoa não estar necessariamente em seu ciclo diário, ela ainda passa confiança, liberdade, reciprocidade e identificação.

“É fundamental a qualidade em comparação à quantidade de amigos que temos, não existe essa relação de causa e efeito.  Algumas pessoas aparentemente possuem muitas amizades, mas na realidade elas se sentem muito sozinhas e não querem lidar com suas questões internas, se conectando o tempo todo nas redes sociais, por exemplo”, explica.

Sonia Bonetti conta que o objetivo inicial do projeto era incentivar os velhos a levarem uma vida mais solta e a terem um ‘envelhecer mais leve’. “Nós não só conseguimos inspirar os velhos, mas também os jovens, porque eles também precisam se preparar para ficar velhos”, afirma.

Para ela, um dos pilares dos canais era fazer as pessoas mais velhas saírem de casa, ter mais comunicação e contatos com os amigos.

“Percebeu que influenciamos as pessoas a fazerem coisas que não faziam antigamente, como sair sozinhas, usar roupas que às vezes elas tinham vergonha, fazerem uma tatuagem que, às vezes, elas achavam que não estava mais na idade. E isso foi muito agradável de ouvir”, comenta.

Sonia Bonetti e Gilda Bandeira seguem em ativa nas redes sociais  (Foto: Karine Britto/Divulgação)
Foto: Karine Britto/Divulgação Sonia Bonetti e Gilda Bandeira seguem em ativa nas redes sociais

A amizade das três vivenciou fases diferentes da vida, como casamentos, divórcios, vida familiar e carreiras. “O amor acaba e a amizade não. É imprescindível para a saúde você ter boas relações. É para todas as horas, sejam boas ou ruins, quando você precisa de uma opinião ou de um apoio”, aponta.

“Ter amizades na velhice é essencial, os idosos são de outras gerações e com outro amadurecimento, eles não querem ser infantilizados, querem ser respeitados com seus valores de serem envelhecidos. É preciso se reinventar, interagir, não só esperar a morte chegar”, lembra a especialista Janara Pinheiro.


Benefícios da amizade

Infelizmente Helena Wiechmann, uma das vovós, faleceu em 2024 aos 95 anos. Gilda Bandeira, de 86 anos, e Sonia Bonetti seguem ativas, levando a mensagem adiante para as pessoas não se tornarem amargas e solitárias.

“Não pode se apegar a valores antigos, precisa fazer uma limpeza, porque o mundo mudou. A sociedade e os costumes mudaram. O velho precisa encarar que é velho, não ficar procurando dizer que não é. Se você for um velho saudável e bem-humorado, tá tudo lindo”, finaliza Sonia.

 

 

A epidemia da solidão

Diferentemente da solitude, que é estar sozinho positivamente, a solidão afeta a nossa saúde em todos os aspectos, e esse sentimento tem sido recorrente para metade da população do Brasil.

Segundo um levantamento do Perceptions of the Impact of Covid-19, realizado pela Ipsos com pessoas de 28 países, sendo mil brasileiros, 50% dos respondentes afirmam se sentir solitários, colando o nosso país, dentre todas as nações, em maior índice.

Em segundo lugar, estão os turcos (46%), e em terceiro os indianos (43%). A média global é de 33%. Esse fenômeno está sendo conhecido como “Epidemia da solidão”, fruto da modernidade, que tem influenciado negativamente como criamos laços e vivenciamos relações interpessoais.

 

Dia Mundial do Amigo

A data, celebrada em 20 de julho, foi criada pelo argentino Enrique Febbraro em 1969, inspirado na chegada do homem à Lua, como símbolo de união e amizade entre os povos

 

Dia da Amizade

Para a ONU, o Dia Internacional da Amizade é comemorado em 30 de julho, incentivando a paz e a construção de laços entre diferentes culturas e comunidades.

Os fatores apontados para o fenômeno estão entre carga horária do trabalho, horas perdidas no trânsito, aumento do tempo nas telas, dentre outros. O quadro se agravou durante a pandemia do coronavírus. Desde então, pesquisadores estudam os efeitos negativos desta solidão e da lacuna de interação social na saúde.

Um documento de quase 300 páginas elaborado pelas Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina, dos Estados Unidos, levantou dados associando a sensação de solidão e do isolamento social a maiores riscos de doenças cardiovasculares, demências, declínio cognitivo, depressão, ansiedade e doenças crônicas.

Mara Guimarães é médica psiquiatra com foco em transtornos ansiosos e depressivos(Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Mara Guimarães é médica psiquiatra com foco em transtornos ansiosos e depressivos

No Reino Unido e no Japão já existe um Ministério da Solidão, que busca combater o isolamento e desenvolver estratégias para incentivar os laços comunitários entre a população.

Mara Guimarães, médica psiquiatra com foco em transtornos ansiosos e depressivos, alerta que o isolamento social pode ser um sinal de que a saúde mental está prejudicada, e que isso pode acontecer em quadros de depressão, esquizofrenia ou autismo.

“É importante refletir qual está sendo a barreira para se relacionar com os outros. Quando a dificuldade de se relacionar for intensa e persistente, é importante buscar apoio profissional para ajudar a solucionar esta questão. Pode ser necessário um treino de habilidades sociais, por exemplo”, explica.

A especialista revela que a psiquiatria reconhece o apoio social como um elemento essencial no tratamento de diversos transtornos mentais, e que amizades saudáveis podem melhorar a adesão ao tratamento, reduzir sentimentos de solidão e aumentar a motivação do paciente.

“Em alguns casos, amigos podem atuar como uma rede de suporte fundamental para o monitoramento do estado emocional do paciente, ajudando a identificar sinais de piora ou necessidade de ajustes na abordagem terapêutica”, clarifica.

 

 

Laços para a vida

Diferente do habitual, quando não se normaliza o afeto entres amizades masculinas, João Andrey é a prova viva de como manter bons laços em sua vida. O estudante de 22 anos, de Fortaleza, se considera uma pessoa sortuda, por ser rodeado de amigos de longas datas, considerados parte de sua família.

 João Andrey, à esquerda, Thiago Fernandes e a direita Roberto Daniel. Ambos formam um trio de amizade muito importante na vida de Andrey (Foto: Fco Fontenele/O POVO)
Foto: Fco Fontenele/O POVO João Andrey, à esquerda, Thiago Fernandes e a direita Roberto Daniel. Ambos formam um trio de amizade muito importante na vida de Andrey

Ao seu lado, Thiago Fernandes e Roberto Daniel, ambos da mesma idade, formam um trio que são como porto seguro para Andrey. Essa conexão foi construída com o tempo, desde a época de escola. Hoje, a rotina de trabalho e a proximidade do local, faz com que a convivência seja ainda maior.

“Foi algo construído naturalmente, eu e o Thiago, por exemplo, não nos dávamos bem no começo, eu sempre brinco que começou de um ódio e logo depois veio uma grande amizade. Já com o Daniel foi através de um amigo em comum, e com o tempo essas relações foram se aprofundando”, relembra.

O jovem conta que no começo não existia nenhuma troca de afeto, e nem palavras de afirmação sobre essa conexão. Com o tempo, o amadurecimento, e os vários momentos vividos juntos, isso foi se normalizando na amizade.

“Foi aí que a chave da nossa amizade virou, fortalecendo mais esse elo. Hoje em dia todos no meu ciclo têm esse hábito, a gente sempre fala que ama o outro, a gente sempre tá se abraçando, comemorando e torcendo pelo outro. Isso vai para além da lealdade”, comenta.

A médica psiquiatra, Mara Guimarães, lembra que respeito, empatia e confiança são fundamentais para estabelecer uma amizade saudável. Para cultivar esses elos é essencial ter um bom canal de diálogo aberto, respeitar os limites do outro e ter reciprocidade nas atitudes e nos sentimentos.

João Andrey, à direita Roberto Daniel, e Thiago Fernandes. Para o trio, a praia é um dos lugares mais especiais de encontro (Foto: Fco Fontenele/O POVO)
Foto: Fco Fontenele/O POVO João Andrey, à direita Roberto Daniel, e Thiago Fernandes. Para o trio, a praia é um dos lugares mais especiais de encontro

“Para evitar relações toxicas é importante se perceber. Olhar como você se sente bem na presença de uma determinada pessoa; isso já chama a atenção. É necessário identificar sinais como manipulação, desrespeito, controle excessivo e falta de apoio emocional”, aconselha.

Para a especialista, se cercar de quem lhe quer bem e um ato de proteção para a saúde mental; e buscar apoio em relacionamentos saudáveis ajuda a manejar o estresse diário e a construir resiliência.

“Uma amizade benéfica para a saúde mental baseia-se em apoio sincero, sem julgamentos, uma amizade na qual você se sente você mesmo. Relações que promovem crescimento pessoal, encorajam a autenticidade e proporcionam conforto em momentos difíceis, são bastante benéficas”, destaca.

Andrey explica que cada um tem sua peculiaridade, ocupando lugares diferentes na amizade, como ponto de equilíbrio. Além disso, a reafirmação desse elo é algo recorrente, existindo até um “calendário” para se encontrar após o trabalho para conversar sobre a vida, seja na praia ou na casa deles.

“É como um lugar de cura para a nossa saúde. Sempre sonhei em ter amizades como essas, são esses momentos que sempre melhoram minha saúde mental e física, sempre motivando o outro e estando ali em todos os momentos”, diz.

Ele ainda reflete sobre o dilema de amizades tóxicas, aquelas onde o afeto não é normalizado e sim levado como piada, até mesmo sobre sexualidade, uma realidade já quebrada em seu grupo de amigos.

“Demonstrar afeto é coisa de homem. Se tiver um dia que eu não puder fazer isso pode me enterrar. Não sou menos homem porque choro do lado de um amigo.  A minha revolução é demonstrar esse amor, precisamos mais disso”, finaliza.

Carliane Caboclo, de 21 anos, mantém um laço de amizade com Ana Theresa, de 20 anos, desde a época da escola (Foto: Arquivo Pessoal )
Foto: Arquivo Pessoal Carliane Caboclo, de 21 anos, mantém um laço de amizade com Ana Theresa, de 20 anos, desde a época da escola

Já para Carliane Caboclo, os atravessamentos de uma amizade foram compostos por identificação. A jovem, de 21 anos, natural da região do Cariri, tem como sua dupla inseparável Ana Theresa, de 20 anos. A amizade das duas surgiu no ensino médio, se fortalecendo com o tempo.

Vivências parecidas, gostos semelhantes, questões familiar e espirituais, compõem essa união. Para Carliane, ter alguém para desabafar e ter acolhimento nas horas necessárias, sem julgamentos, é o que torna essa amizade um lar em sua vida.

“Nossas vivências como mulheres negras nos aproximou muito, criando um elo de proteção na nossa relação. Isso ajudou muito na minha saúde mental diversas vezes. Concordamos em muitas coisas, como ter estado em ambientes muito brancos que nos fez sentir desconfortáveis várias vezes”, diz

Mara Guimarães explica que o convívio com amigos que validam nossas emoções e reconhecem nossas qualidades fortalece a autoestima.

“Boas amizades podem funcionar como um espelho, ajudando na construção de uma autoimagem mais positiva. Além disso, o suporte social também pode estimular a autoconfiança, pois amigos encorajam a assumir desafios e reforçam o nosso valor”, finaliza a psiquiatra.

O elo das duas jovens é visto até na área profissional. Elas estão à frente da Espiral Arte, uma loja online de ecobags, bordados, polaroides e entre outros produtos. Carliane relata que a dinâmica de trabalho das duas é ótima. Estão sempre se ajudando e trocando ideias quando necessário.

“É impossível não existir embates nas relações. Somos parecidas, mas não a mesma pessoa. Cada uma tem sua individualidade. Nossa relação é muito de se ouvir, escutar o que a outra tem a dizer, respeitando e acolhendo sempre”, conclui.

 

 

Um elo de sororidade

A poder da união entre mulheres foi sentido na vida da economista Lucianita Queiroz, de 64 anos. Natural de Fortaleza e com passagem pela Bolsa de Valores Regional e Brasileira de Mercadorias, ela vivenciou um dos maiores medos na vida de uma mãe, a despedida de um filho.

Bruno Queiroz faleceu em 2020, com apenas 34 anos, devido a um linfoma. Durante todo tratamento, e após ele, Lucianita foi acolhida pelo Panapaná, um grupo de mulheres que abraçam pessoas e seus familiares em tratamento de câncer, mediante orações, presentes e suporte emocional.

Lucianita Queiroz perdeu o seu filho por razão do câncer. Na época, ela foi acolhida pelo grupo Panapaná(Foto: Fernanda Barros/ O Povo)
Foto: Fernanda Barros/ O Povo Lucianita Queiroz perdeu o seu filho por razão do câncer. Na época, ela foi acolhida pelo grupo Panapaná

Criado em 2013, o grupo é composto por mais de 40 mulheres, com histórias marcadas por superação e gratidão no combate ao câncer. Todo mês elas se reúnem para um encontro repleto de conversas e orações. Desde a partida do seu filho, Lucianita continua fazendo parte do Panapaná "Substantivo que se refere a um coletivo de borboletas. Geralmente, é utilizado para descrever um grupo de borboletas voando juntas em uma área específica.
"

do Panapaná. 

“A forma de retribuir tudo aquilo que recebi foi entrado no grupo para fazer o mesmo por outras pessoas, que em sua grande maioria nem conhecemos. Cada mês tem uma dupla responsável para realizar uma ação social. Você acaba conhecendo muitas pessoas, é uma troca muito rica de experiências”, relata.

A economista conta que seu filho recebeu muito carinho durante seu tratamento, e que as “borboletas”, nome dado as integrantes do grupo, foram como acolhimento e suporte emocional em sua vida quando seu filho partiu.

Parte do grupo de amigas em uma das reuniões(Foto: Reprodução Instagram /@grupopanapana)
Foto: Reprodução Instagram /@grupopanapana Parte do grupo de amigas em uma das reuniões

“Lembro até hoje de uma senhora que estava em tratamento e amava receber os mimos das borboletas. Uma vez ela me disse, sentindo que já ia partir, que o dia mais interessante do mês era quando recebia esse carinho. Ela faleceu dois dias depois”, relembra.

Para Lucianita, a morte de seu filho lhe trouxe muito aprendizado, e o seu testemunho permite mostrar a importância que a sororidade das mulheres teve em sua vida, fazendo ela continuar se reconstruindo.

“Alguém pode achar que é pouco, mas podemos fazer muito pelo outro. Quando nos juntamos é uma revoada de borboleta. É uma coisa tão linda que está acima de qualquer outro sentimento; parece que estamos em outro patamar da história. Sou grata a Deus todo dia por esses laços na minha vida”, finaliza.

 

 

Conexões modernas

Os benéficos e a importância de uma amizade feminina sempre foi valorizado na vida de Larissa Magrisso, de 45 anos, e natural de Porto Alegre. Ela é fundadora e editora-chefe da Lúcidas, primeira plataforma brasileira dedicada a promover e fortalecer conexões femininas.

O foco de Larissa era incentivar o cuidado e a construção de vínculos saudáveis e intencionais entre mulheres para todas as fases da vida. Em particular, ela sempre manteve fortes laços desde a infância. “Meu pai falava que eu sempre me preocupava se as minhas amigas estavam bem”, diz.

Também com passagem no jornalismo, Larissa afirma que o Lúcidas já está influenciando a vida das pessoas, e que sempre está escutando os feedbacks e desenvolvendo o que for necessário para um bom alcance do site.

Larissa Magrisso é fundadora e editora-chefe da Lúcidas, plataforma sobre amizades femininas (Foto: Camila Vieira)
Foto: Camila Vieira Larissa Magrisso é fundadora e editora-chefe da Lúcidas, plataforma sobre amizades femininas

“Eu desenhei ele baseado em três pilares: conteúdo, investigação e experiências. Mulheres que não entendiam a importância das amizades passaram a priorizar. Minha mãe é uma prova viva; ela manda fotos com as amigas e diz: Olha, estamos lúcidas”, comenta.

Sobre o nome do projeto, ela explica que nasceu de uma história de família, onde uma tia-avó, com mais de 90 anos, reencontrou uma amiga de infância e a primeira coisa que ela falou foi : “Amiga, você está lúcida”. Larissa afirma que a lucidez para ela é nunca deixar de priorizar suas amigas.

“A amizade feminina é o único lugar onde a mulher é só ela, não é algo em função ou cuidado de alguém. Cada segundo investido em uma amizade volta para a gente na mesma intensidade. É uma relação que nos traz benefícios vitais, nos mantém vivas e saudáveis”, reflete.

Segundo ela, a questão da amizade deveria ser incentivada pelos governos, pelas famílias e pela sociedade em geral, e que as mulheres precisam se libertar das crenças do que é ser uma mulher plena.

“Nos ensinaram que somos rivais. A amizade feminina tem esse poder de nos apresentar um futuro mais feliz, com mais cuidado, com menos solidão e com mais plenitude da gente ser a gente mesmo. Precismos priorizar isso dentro da nossa rotina. Essa pauta precisa ser mais trabalhada”, conclui.

Sobre amizades femininas, a psicóloga Janara Pinheiro afirma a importância dessa rede, na qual as mulheres reconhecem nas outras uma parceria, contrariando a ideia de uma rivalidade criada na sociedade.

“Quem lucra com a rivalidade entre as mulheres? O patriarcado. Amizades femininas são importantes para não reforçarem ideais machistas. A mulher não tem que ver a outra como rival ou inimiga, mas como aliada, fazendo-a crescer, e isso tem a ver com a minha autoconfiança”, afirma.

Ela reafirma essa importância para os homens também. Para a psicóloga, é essencial saber criar um vínculo de respeito e valor com as mulheres, sendo essencial para o desenvolvimento psíquico e social.

“Tem que ter cuidado com esses narcisismos das pequenas diferenças. Para eu me constituir tenho que respeitar o outro, não ver um determinado grupo como rival, como acontece entre homens e mulheres, pessoas de sexualidade distintas, raças e entre outros aspectos. A sociedade tem lugar para todos”, finaliza.

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