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De Rio Preto a Guaramiranga: como um festival de teatro transforma uma cidade?
Reportagem Especial

De Rio Preto a Guaramiranga: como um festival de teatro transforma uma cidade?

Festivais de teatro mobilizam cidades e geram retornos culturais e econômicos; em São José do Rio Preto (SP), festival internacional já chegou a cerca de um milhão de espectadores

De Rio Preto a Guaramiranga: como um festival de teatro transforma uma cidade?

Festivais de teatro mobilizam cidades e geram retornos culturais e econômicos; em São José do Rio Preto (SP), festival internacional já chegou a cerca de um milhão de espectadores
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Daiane Souza frequenta o Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT Rio Preto) há mais de 20 anos. Ao longo de tantas edições, as memórias se acumulam entre espetáculos vistos e contribuições dadas ao evento — afinal, ela também se oferece para trabalhar nele, tamanho foi o carinho desenvolvido.

A relação com o festival se tornou tão intrínseca que resultou até em um pedido de demissão: “Eu queria trabalhar no FIT e estava em um emprego que não me liberava para participar. Pedi que me dessem em julho as férias que já estavam vencidas há seis meses, pois queria estar trabalhando no festival, mas eles não deram. Então, na minha loucura pelo teatro, não pensei duas vezes: pedi as contas e fui me dedicar ao FIT”.

Peça cearense ''Tchau, Amor'', da Inquieta Cia, fez parte da programação do FIT Rio Preto(Foto: Luiz Áureo/Divulgação)
Foto: Luiz Áureo/Divulgação Peça cearense ''Tchau, Amor'', da Inquieta Cia, fez parte da programação do FIT Rio Preto

O relato da promotora de merchandising pode até ser único, mas demonstra um vínculo que se estende a tantas outras pessoas em Rio Preto, a 442 km da capital São Paulo. O festival de teatro mobiliza a cidade há 55 anos. Em 2024, mais de 40 mil pessoas compareceram ao evento. O interesse pelos espetáculos é tão grande que, mesmo esgotados, não é raro ver filas de espectadores nos teatros para caso haja algum lugar disponível de última hora.

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O FIT Rio Preto é um dos exemplos de festivais que conseguiram engajar cidades em torno das artes cênicas. No Ceará, há casos como o Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) e o Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT). Mesmo com diversos desafios, eles prevalecem com o objetivo maior de mostrar que o teatro tem, sim, uma morada. O que fazer, então, para que mais municípios tenham essa adesão?

 

 

Resistência ao longo de décadas e esforços conjuntos

No caso do FIT (originalmente Festival Nacional de Teatro Amador) é preciso voltar cinco décadas para entender essa consolidação. Em 1969, em plena ditadura, jovens artistas de Rio Preto, como Dinorath do Valle, José Eduardo Vendramini e Humberto Sinibaldi Neto, se juntaram a intelectuais locais e ao poder municipal para a primeira edição.

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Durante longo tempo, a programação foi composta por amadores de diversas partes do Brasil - incluindo o Ceará. Os anos se passaram, houve interrupções, o festival ressurgiu, se internacionalizou, passou por pandemia e, ainda assim, segue de pé. Em julho, alcançou a marca de 55 anos. O Vida&Arte acompanhou in loco a edição "Ao longo de dez dias, foram 137 atividades, entre espetáculos, ações formativas e outras atrações artísticas espalhadas por 20 locais, entre ruas e teatros de Rio Preto. Mais de 40 mil pessoas estiveram no evento, que mobilizou também 450 artistas, produtores e técnicos e mais de 340 trabalhadores. Dos 37 espetáculos, dois foram cearenses e 18 foram gratuitos. Todas as regiões do País estiveram contempladas, bem como cinco países diferentes apresentaram peças." a convite do evento.

Do pipoqueiro ao artista que sobe ao palco, o FIT consegue integrar toda a cidade em torno de espetáculos. O sucesso do evento se dá por várias frentes, mas incluem esforços da sociedade civil, da classe artística, empresas e do poder público para que continue com fôlego.

 

 

"O festival é maior que qualquer um"

 

“Acho que Rio Preto gerou essa força no teatro, principalmente pela continuidade que conseguiu dar. Para um festival se estabelecer dessa maneira em uma cidade do interior, ele passa por várias questões — principalmente políticas — para poder conseguir se instituir dessa maneira. Depois que se institui, se torna patrimônio da cidade. Ninguém mais tira. Entra governo e sai governo, o festival é maior que qualquer um”.

A declaração de Jorge Vermelho (ator, diretor e coordenador executivo do FIT) demonstra a relevância do festival para Rio Preto e como os habitantes percebem seus impactos. Afinal, as pessoas “defendem com unhas e dentes a sua existência”, o que acaba sendo a prova “de como uma ação de Cultura pode ser tão definidora na identidade de um povo”.

Jorge Vermelho é coordenador executivo do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT Rio Preto)(Foto: Ricardo Boni/Divulgação)
Foto: Ricardo Boni/Divulgação Jorge Vermelho é coordenador executivo do Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT Rio Preto)

Não à toa um evento desse porte conseguiu atravessar “um dos piores momentos da nossa história”, que foi a ditadura, sem “se dobrar”. Para Vermelho, ao longo das edições o FIT assumiu cada vez mais seu posto como “território de resistência e de denúncia”, virando um espaço de experimentação e reflexões.

“O FIT Rio Preto não é um festival que faz programação pensando só na qualidade, mas também no que é risco. O risco do que ainda não temos certeza. Esse território nos interessa muito, e tudo isso se somando a ser realizado em uma cidade do interior, com histórico político conservador. Tudo isso ganha outra potência”, defende.

 

 

A importância do "romantismo" e os desafios

 

Há, porém, outro aspecto que se sobressai: um festival “precisa ter alma” para se estabelecer. Vermelho também pontua: “Não é só organização, planejamento, planilha, tudo certinho. Não: ele precisa de pessoas de teatro trabalhando em várias funções, porque isso confere ao festival um espírito de alma, de vestir a camisa, de ter o entendimento do que é a arte. Ah, isso é romantismo? É! É puro romantismo - e precisamos disso para viver. Se não nos debruçarmos nessas afetividades, não vamos conseguir sobreviver”.

No FIT Rio Preto, são vários os que “vestem a camisa”: motoristas, profissionais da comunicação, da recepção do hotel, técnicos, artistas e, principalmente, o público. Mesmo há anos consolidado na cidade, o FIT, entretanto, segue a enfrentar desafios - como ocorre em outros festivais.

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Segundo Jorge Vermelho, eles estão relacionados a “como manter uma programação com uma estrutura cada vez mais cara” diante de um “mercado competitivo” na cidade, pois existem outros eventos que disputam a atenção do público.

Há também a disputa com os aparelhos eletrônicos: é preciso um esforço maior para “mobilizar as pessoas para o encontro presencial” e ir para o teatro. No caso do FIT, a cidade já tem o conhecimento de que “a experiência vale a pena”, sendo uma programação que não é substitída pela experiência virtual.

“É uma programação que muitas vezes te tira do conforto e cria momentos de reflexão muito intensos no sentido de experienciar o teatro de outras maneiras”, aponta. Outra questão é a necessidade de aumentar o aporte financeiro a cada ano. Para o FIT 2024, foi estipulado orçamento de R$ 3,8 milhões.

 

 

Gasto ou investimento?

 

Evidentemente, é possível perceber que não se trata de gasto, mas de investimento, uma vez que o retorno econômico para a cidade chega a R$ 10 milhões, de acordo com Vermelho. Vale ressaltar que o legado não deve se restringir ao aspecto financeiro: os ganhos culturais são enormes, não à toa há mais de 15 coletivos com festivais próprios em Rio Preto.

“O que eu acho mais importante é a cidade ratificar a importância do festival, porque aí é a sociedade civil, não só a comissão organizadora ou o poder público. Claro, o poder público é inteligente porque sabe da força do FIT e do teatro, então ele perpetua o festival não só como um evento, mas como uma ação mobilizadora da cidade, porque é o momento em que ela se reconhece plenamente como um patrimônio cultural”, atesta.

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Diante dessa trajetória, o que outras cidades devem fazer para também abraçar o teatro? Para Jorge Vermelho, a primeira coisa é “ligar a parabólica” para saber o que a linguagem está dizendo. Outra dica é envolver completamente as pessoas que fazem teatro na cidade, porque mão se torna uma realização estritamente administrativa como ação de governo: é preciso ser uma ação da cidade.

É importante, sem dúvidas, começar. Pode ser como uma mostra e fazer aquilo “se derramar” naturalmente. “Não precisamos começar imaginando que aquilo vai perdurar 50 anos ou 100, mas o importante é dar o primeiro passo”, conclui.

 

 

"Sem público não há teatro"

 

O FIT consegue atrair públicos que se tornam “fiéis” ao evento com o passar das edições. A administradora de empresa Isabel Suzuko Dias, 79, virou frequentadora assídua do festival desde que o conheceu, em 2001. Para ela, um dos motivos pelos quais o FIT se consolidou e se tornou tão atrativo foi a participação de grupos de fora do eixo Rio-São Paulo, o que acabou contribuindo para a divulgação do festival.

Além disso, aponta como o FIT contribui para a formação de plateia: “Sem público não há teatro. Levar peças para vários locais e gratuitamente incentiva e desperta a curiosidade do povo, ainda mais sendo peças com conteúdo inteligente, valorizando saberes e cultura, não mistificando”.

Espetáculo "Vereda da Salvação", com Daiane Sousa, foi apresentado em 2022 no FIT Rio Preto 2022(Foto: Victor Natureza/Divulgação)
Foto: Victor Natureza/Divulgação Espetáculo "Vereda da Salvação", com Daiane Sousa, foi apresentado em 2022 no FIT Rio Preto 2022

Quem apresenta pensamento semelhante é Daiane Souza, 44, cuja história com o FIT foi introduzida na abertura desta matéria. Ela reforça como a diversidade de espetáculos e de locais, além de cursos de formação, contribui para a construção de público interessado no festival. Daiane, aliás, não esteve no festival somente trabalhando, mas também apresentando espetáculos com as companhias Grupo Teatral Rio-Pretense (GTR) e Beradeiro.

A atriz indica que a história de festivais em Rio Preto “sempre foi muito forte” e o FIT veio “para consolidar” isso. Ela frequenta o festival desde 2002 e tenta participar dele em todos os anos, passando por funções como bilheteria, assistente de palco, assistente de alimentação, portaria e receptivo. “É um aprendizado contínuo, pois além de trabalhar, assisto a algumas peças, participo de debates e leio as opiniões dos críticos. É um aprendizado bastante profundo de teatro”, garante.

 

 

Investimentos...

Para um festival se manter vivo por 55 anos, a afeição do público a ele não é suficiente. A magnitude de um evento como o FIT se dá pela sua relevância cultural e histórica, sim, mas é preciso investimento e compreensão de seu valor por diferentes esferas. O poder público se insere nessa equação.

Prefeito de Rio Preto, Edinho Araújo ressalta como o evento “mobiliza a comunidade e a classe artística local, movimentando diferentes setores da economia "Em 55 anos, o FIT Rio Preto recebeu mais de 1300 peças e teve público de cerca de um milhão de pessoas"  e revelando o potencial do segmento criativo para a cidade e para o País”.

Mas, para além do festival, quais movimentos são feitos para disseminar o teatro em Rio Preto? Segundo o prefeito, a cidade possui Núcleos de Artes e Cultura que oferecem quase três mil vagas com aulas gratuitas para diferentes linguagens, entre elas o teatro.

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Além disso, a cidade conta com um fomento municipal cultural que se tornou lei municipal: a Lei Nelson Seixas. Anualmente, ela aplica cerca de R$ 1,5 milhão em editais para produção e circulação artística. Há também a realização do Janeiro Brasileiro da Comédia, outro festival de teatro, mas voltado para o humor e a comédia.

“Todos os nossos os festivais e ações são pensados para levar o teatro não só aos palcos usuais, mas também às ruas e praças de toda a cidade, atendendo as 10 regiões do município”, explica.

 

 

... e parcerias

Como estratégia para manutenção de edições pulsantes do FIT, o gestor ressalta a importância de parcerias, como a do Sesc SP. A ação compartilhada começou em 2003. Assim, Sesc e Prefeitura são parceiros co-realizadores do festival.

“Compartilhamos o pensamento e a curadoria, conjuntamente discutimos e convidamos curadoras e curadores, compartilhamos os recursos orçamentários, o estudo dos espaços, a expertise e as pesquisas das nossas equipes na linguagem das artes cênicas. É, de fato, uma confluência de esforços e recursos do início ao fim”, argumenta Thiago Freire, gerente do Sesc Rio Preto.

Uma parcela de funcionários do Sesc se dedica ao FIT desde os primeiros dias do ano. Para a dimensão operacional do FIT, toda a equipe do Sesc Rio Preto é mobilizada, incluindo áreas como comunicação, alimentação, infraestrutura, audiovisual e serviços gerais.

 

Teatro do Sesc Rio Preto é um dos espaços onde ocorrem os espetáculos do FIT Rio Preto(Foto: Sesc Rio Preto/Divulgação)
Foto: Sesc Rio Preto/Divulgação Teatro do Sesc Rio Preto é um dos espaços onde ocorrem os espetáculos do FIT Rio Preto

Mas, afinal, quanto custa tudo isso? “Considerando cachês artísticos, hospedagem, alimentação, locação de equipamentos e estruturas, divulgação e todos os demais custos envolvidos, nesta edição de 2024 o Sesc investiu aproximadamente R$ 1,5 milhão, valor equivalente ao investido pela Prefeitura de São José do Rio Preto”, indica Thiago Freire.

O investimento não é à toa e corresponde à importância do FIT para Rio Preto: “É uma política pública consolidada. Tem, há décadas, um impacto significativo no território. Na formação de plateias para o teatro, na formação de artistas e produtores, nas chamadas economias criativas em geral. Tem um impacto importante no pertencimento, no uso e na ocupação dos espaços públicos, ruas, praças, teatros”.

 

 

Ceará, Haroldo Serra e o FIT

 

O Ceará tem participações importantes no FIT desde a sua criação, com espetáculos memoráveis no evento. Com as apresentações deste ano, o Estado levou 26 trabalhos à programação do FIT.

Alguns deles foram dirigidos pelo saudoso Haroldo Serra, como “O Simpático Jeremias” (1970) e o “Morro do Ouro” (1971) - este, por sinal, eleito a melhor peça da edição. O aspecto é ressaltado por um dos fundadores do FIT: Humberto Sinibaldi Neto. 

“O ‘Morro do Ouro’ foi um grande sucesso, inclusive no elenco, porque era um musical e nele tinha sabe quem? Elba Ramalho. Ela era uma das cantoras. O sucesso foi tamanho que ela não volta para o Ceará e permanece em São Paulo, onde começa a carreira de cantora”, afirma.

Festival de Teatro de Acopiara

Na microrregião do Sertão de Senador Pompeu, Acopiara (a 350,93 km de Fortaleza) existe há 35 anos um evento responsável por mobilizar o município em torno da arte. Quando o Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) nasceu, a cidade estava em um contexto no qual “não oferecia muitas oportunidades culturais para a juventude e a população”.

A fala é de Dário de Sousa, um dos idealizadores do Fetac. Em maio, o festival voltou a ser realizado após cinco anos e chegou à 28ª edição com grupos de seis cidades cearenses. Hoje, o evento faz parte do patrimônio histórico-cultural de Acopiara e é apoiado pela Secretaria da Cultura do Ceará (Secult-CE) com recursos da Lei Paulo Gustavo.

27ª edição do Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) mobilizou a cidade de Acopiara, no Ceará(Foto: Eltanin Andrade/Divulgação)
Foto: Eltanin Andrade/Divulgação 27ª edição do Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) mobilizou a cidade de Acopiara, no Ceará

Quando iniciou, o festival tinha como principal objetivo “chamar a atenção da população e da região” para o fato de que em Acopiara haviam “jovens que faziam teatro e outros que queriam fazer”. Além disso, havia o interesse de se tornar um polo de atenção para o desenvolvimento do teatro feito por grupos do Interior do Ceará.

 

 

Apoio ao teatro do interior cearense

Dessa forma, é possível notar que a comunidade local abraça o Fetac, independentemente de faixa etária. Segundo Dário, as pessoas param para ver o teatro de rua e em outros espaços alternativos que não sejam só o palco principal do Centro Social. “O povo vai ao teatro no Fetac com comportamento de quem é o dono da festa, porque, desde que ele nasceu, a população cuida dessa cria. Isso é ótimo”, analisa.

O festival também movimenta Acopiara na economia, a partir de atrativos em hospedagens, alimentação, transporte, bares, restaurantes e também vendedores ambulantes, como pipoqueiros. “São oito dias de experiências, trocas, convívios, recepção. O Fetac dialoga com as artes plásticas e a música, não só teatro. A cidade também tem um lucro real em cima de cada edição”, compartilha.

27ª edição do Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) mobilizou a cidade de Acopiara, no Ceará(Foto: Eltanin Andrade/Divulgação)
Foto: Eltanin Andrade/Divulgação 27ª edição do Festival de Teatro de Acopiara (Fetac) mobilizou a cidade de Acopiara, no Ceará

Diante disso, quais são os principais legados do Fetac para Acopiara? O idealizador aponta: “Nos oito dias de evento, Acopiara pode conhecer espetáculos de vários lugares. Além das peças da mostra principal, que são cearenses, sempre convidamos trabalhos para a mostra paralela. Temos, em média, 25 espetáculos a cada festival. Além do sentimento de pertencimento ao Fetac, o evento em si provoca a população a pensar o mundo de maneira diferente a partir das apresentações”.

 

 

Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga

 

Em 1993, foi entoado pela primeira vez o bordão “Boa noite, Guaramiranga. Boa noite, Nordeste”. A frase permite anunciar o início do Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga (FNT), promovido na cidade distante 105,76 km de Fortaleza. O evento é realizado pela Associação dos Amigos da Arte de Guaramiranga (Agua)

O município cearense tem pouco mais de 5.600 habitantes, segundo o Censo 2022, e se tornou uma das referências na promoção de festivais de teatro no Estado. A estratégia seguiu a história da cidade, pois Guaramiranga tem o teatro como a linguagem mais presente nas criações artísticas, desde jograis em atividades escolares a teatro de revista para entreter veranistas.

A partir das características de expressão da criatividade e pertencimento de uma comunidade, o teatro de Guaramiranga serviu para a inspiração do FNT. Na época, o município “procurava criar um novo caminho de crescimento econômico com desenvolvimento social sustentado pelos valores presentes em suas vocações culturais mais fortes”.

Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga engaja a cidade cearense desde a década de 1990(Foto: Eunilo Rocha/Divulgação)
Foto: Eunilo Rocha/Divulgação Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga engaja a cidade cearense desde a década de 1990

A alegação é de Nilde Ferreira, coordenadora geral do FNT. Como relata, o festival foi uma das políticas instituídas na década de 1990 para combater problemas consequentes de “mais de três décadas de estagnação econômica e ausência de políticas públicas de desenvolvimento”.

 

 

30 edições pulsantes

 

Em 2024, o FNT completa 30 edições, e sem dúvidas conseguiu se estabelecer no calendário de festivais expressivos voltados ao teatro. A maior chancela disso é o engajamento da população, que comparece em peso para assistir aos espetáculos. Gratuito, o FNT engaja os cidadãos, que também participam do planejamento do evento com o “conselho da comunidade”.

Nilde Ferreira demonstra os impactos do festival na cidade: “É gerado um fluxo turístico interessado em acompanhar a programação do festival, o que gera movimentação em pousadas, restaurantes e outros setores de alimentos e bebidas no comércio geral. Também tem o fato de o festival ter seus investimentos diretos por meio dos recursos que aplica para realizar a programação, além da ocupação de postos de trabalho”.

Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga engaja a cidade cearense desde a década de 1990(Foto: Eunilo Rocha/Divulgação)
Foto: Eunilo Rocha/Divulgação Festival Nordestino de Teatro de Guaramiranga engaja a cidade cearense desde a década de 1990

Há, porém, desafios, principalmente a “limitações de ordem financeira”: “Os desafios são muito relacionados a recursos disponíveis para realizar uma programação cultural e tecnicamente complexa e a estrutura cultural da cidade que não está se qualificando para atender às necessidades de programações culturais como o FNT”. Segundo a coordenadora, há um custo alto de estrutura que o próprio festival tem que resolver, pelo fato de “a cidade não ter estrutura preparada”.

Ela ressalta os legados deixados pelo evento, principalmente a oportunidade de acesso à arte: “Estamos no 30º festival. São muitas gerações de guaramiranguenses que têm a vida e o repertório cultural relacionados ao evento. (Diria que) a oportunidade de ver artes cênicas do Nordeste, do Brasil e até alguns internacionais, trabalhos artísticos de grande valor”.

 

 

O que falta para Fortaleza?

 

Fortaleza não sofre com falta de festivais de teatro. Há exemplos como o Festival de Teatro Popular de Fortaleza, o Teatro Transcendental e o próprio Festival de Teatro de Fortaleza. Entretanto, as incógnitas se acumulam quanto aos motivos que levam a capital cearense a não ser tomada intensamente em questão de público e investimento para a linguagem.

O que falta, então, para a quarta cidade mais populosa do Brasil também ser vista como um local onde o teatro é abraçado em sua plenitude? Para o ator Alysson Lemos, da companhia As Dez Graças, um dos problemas é a raridade de se conseguir “rodar” com trabalhos por mais tempo e montar uma temporada contínua.

Em sua visão, é importante que haja “política pública efetiva que entenda a importância das artes cênicas para a Cidade”. Ele apresentou no FIT, com Igor Cândido, a peça “Grand Finale”. Cândido acrescenta a necessidade do fortalecimento de mostras, festivais e pontos de cultura, exaltando espaços que não sejam apenas físicos.

“Às vezes, a cabeça do gestor público é muito investir em lugar turístico, sendo que tem uma cena gigante puxando e é preciso fortalecimento, porque existe público para ver”, enfatiza.

 

 

Importância da continuidade de ações

“Algo do FIT que fica de exemplo para outras cidades é a importância da continuidade de ações. O FIT é o que é hoje porque aposta na continuidade. No Ceará, temos uma cultura muito predatória, as coisas surgem lindamente e aí quando passam dois ou três anos já acabaram. Ao invés de valorizar o que se tem, criam-se mais”, caracteriza Alysson Lemos.

Um dos reflexos da insuficiência de formação de plateia em Fortaleza está em aspecto compartilhado pela diretora e dramaturga Andreia Pires, que esteve no FIT com a Inquieta Cia para a apresentação do espetáculo “Tchau, Amor”: na capital cearense, é difícil conseguir firmar temporadas de encenação.

“Enquanto companhia, nunca conseguimos fazer uma temporada que desse para o nosso trabalho um lugar de profissão. Quem é ator e atriz e está na cena sabe: é só fazendo que se cresce e que se compreende. A sala de ensaio não dá isso para nós. Precisamos do público para olhar e entender que aquela pessoa está conosco”, avalia.

 

 

"Onde está o teatro na nossa formação?"

 

O ator Gyl Giffony, também da Inquieta Cia, expande a reflexão para além da necessidade de uma intervenção do poder público: é preciso pensar como a sociedade tem visto a linguagem em seu cotidiano. O ator questiona onde está a presença do teatro em escolas privadas e públicas, bem como infere a complexidade do tema.

“Compreender esse momento da vida cultural não é só pensar na finalidade de um equipamento para receber uma peça e um público. É pensar onde está dentro da nossa formação a presença do teatro. Isso não se dá com uma única resposta, porque temos classes sociais distintas, vivemos em territórios diferentes e temos condições de vidas diversas. Cada pessoa responderá de uma forma diferente”, afirma.

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